Uma tarde de vida
cai sobre a Île de la Cité
au quais de la Seine.
O rio rola manso e sempre,
como o tempo,
modulando a fachada ondulante
do museu D`Orsay,
acostumado no passado a ver passar o presente,
e agora congelando a vida,
nos espelhos rolantes de um Sena eterno.
No Quartier se eterniza a mocidade
ebulindo em graça a sua inquietude
nos bares, nos sebos, nos becos.
E na Moufetard entre blues e crêpes
ampliam o universo das écoles,
que a tornou universal.
Nos sentimos estranhamente domésticos
nestas vielas tortuosas do tempo,
entre comércios e cançonetas,
imaginadas de velhos realejos.
No Boulevard St`Michel
a vida apressa o passo
e se dissimula no movimento
dos automóveis,
que passam equivocados
a procura de uma vida
que enfim se acomoda
em frente ao fumo dos seus cafés.
As sombras das pontes sobre o Sena
revelam uma Paris misteriosa
revisitada dos bateaus;
e exibem à beira do cais
uma ora serena Conciergerie
e o Palais de Justice:
monumentos em defesa dos oprimidos
que o futuro implacável identificará
Os ossos expostos das suas catedrais
relembram um passado obscuro
de ouros e poderes,
assaltados das paixões da Liberdade
ao longo dos tempos.
E na face perdoada da Madeleine
que mira uma confusa Concorde,
ainda se sente o cheiro acre do sangue
dos Luises de uma revolução justa.
Um espigão de glória e aço
fura o céu em frente ao Champ de Mars :
uma tour Eiffel distrai a vaidade
de uma cidade eterna,
mostrando sem pudor,
suas torres e seus telhados,
numa devassa e constante Exposição.
Uma Ópera substitui a Bastille demolida,
na conquista de um passado,
enquanto o cimento se impõe
na Defense de um futuro inacreditável
mas presentemente dispensável.
Propositalmente esquecida
na vertigem das suas volutas
se impõe uma Montmartre mágica
ao calor dos seus chauffeurs,
numa desatada maré de arte e boêmia
que lava em vinho os pés operários
e em falso ouro
as mãos mercantis de seus atores.
Da desairosa Tour de Montparnasse
corre um trem sob o céu aberto
em busca de uma Versailles quimérica,
glória e decadência
de um reinado de excessos.
E agora por entre seus luxos e jardins
invade, incólume, um povo estranho
apenas ávido de passados rumores.
Uma Paris sempre revista
finalmente um dia
se exibirá.
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