sexta-feira, 6 de agosto de 2010

OS SAPATOS DOS MEUS FILHOS

Antes eram sandálias,

Inocentes, puídas,

erodidas no dedão ou no talo,

largadas,
libertas dentro dos muros,

sempre perdidas,

sempre achadas por mãos zelosas;

não tinham métodos,

não tinham modos,

apenas personalidade :

na cor, no tamanho, no cheiro,

no desprendimento com que eram abandonadas

ou descartadas

Crescidos,

Serão sempre filhos sob o mesmo teto.



agora são sapatos,

fechados, sisudos, escuros

agora são sandálias,

altas, elegantes, enfeitadas, plataformas,

agora também sapatilhas,

leves, descontraídas;

ainda largados,

em limites menos amplos,

às avessas dos donos;

comumente sobem escadas,

mimetizando os próprios,

proprietários :

em cada degrau um par,

gradativos,

insupeitàvelmente estafados,

surpreendentemente refeitos;

alguns com meias para fora,

como línguas,

parecem cansados :

degraus acima, recuperados dos fôlegos

exibem uma invejável saúde;

outros já tombados na batalha dos dedos,

parecem vencidos:

depois renascidos, entalcados,

recuperam, heróicos, suas utilidades;

às vezes suarentos, empoeirados, descadarçados,

por inúteis, são aposentados:

um dia,

imediatamente encerados, recompostos,

ressuscitam garbosos,

para alegria de todos;

há os molhados da chuva:

hoje parecem perdidos de lama,

logo refeitos, ao próximo sol,

apresentam insuspeitas performances;

há tantos outros ............ !

há os acomodados,

há os rebeldes,

há os que voltam de festas,

há os que voltam de férias,

há os que não voltam.
E há, com certeza, os que apenas foram sonhados, cobiçados,

mas que jamais existiram,

por não se adequarem às parcas mesadas.

Os sapatos dos meus filhos

têm vida, como vidas.



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