Inocentes, puídas,
erodidas no dedão ou no talo,
largadas,
libertas dentro dos muros,
sempre perdidas,
sempre achadas por mãos zelosas;
não tinham métodos,
não tinham modos,
apenas personalidade :
na cor, no tamanho, no cheiro,
no desprendimento com que eram abandonadas
ou descartadas
Crescidos,
Serão sempre filhos sob o mesmo teto.
agora são sapatos,
agora são sandálias,
altas, elegantes, enfeitadas, plataformas,
agora também sapatilhas,
leves, descontraídas;
ainda largados,
em limites menos amplos,
às avessas dos donos;
comumente sobem escadas,
mimetizando os próprios,
proprietários :
em cada degrau um par,
insupeitàvelmente estafados,
surpreendentemente refeitos;
alguns com meias para fora,
como línguas,
parecem cansados :
exibem uma invejável saúde;
outros já tombados na batalha dos dedos,
parecem vencidos:
depois renascidos, entalcados,
recuperam, heróicos, suas utilidades;
às vezes suarentos, empoeirados, descadarçados,
por inúteis, são aposentados:
um dia,
imediatamente encerados, recompostos,
para alegria de todos;
há os molhados da chuva:
hoje parecem perdidos de lama,
logo refeitos, ao próximo sol,
apresentam insuspeitas performances;
há tantos outros ............ !
há os acomodados,
há os rebeldes,
há os que voltam de festas,
há os que voltam de férias,
há os que não voltam.
E há, com certeza, os que apenas foram sonhados, cobiçados,
mas que jamais existiram,
por não se adequarem às parcas mesadas.
Os sapatos dos meus filhos
têm vida, como vidas.
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