quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Dose Tripla

Cogito
                Torquato Neto

eu sou como eu sou
pronome
pessoal intransferível
do homem que iniciei
na medida do impossível

eu sou como eu sou
agora
sem grandes segredos dantes
sem novos secretos dentes
nesta hora

eu sou como eu sou
presente
desferrolhado indecente
feito um pedaço de mim

eu sou como eu sou
vidente
e vivo tranqüilamente
todas as horas do fim.


Traduzir-se
                      Ferreira Gullar

Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir-se uma parte
na outra parte
- que é uma questão
de vida ou morte -
será arte?

Todo Risco
                    Damário daCruz

A possibilidade de arriscar
É que nos faz homens
Vôo perfeito
no espaço que criamos
Ninguém decide
sobre os passos que evitamos
Certeza
de que não somos pássaros
e que voamos
Tristeza
de que não vamos
por medo dos caminhos

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Violencia Urbana

Na cidade o medo acompanha o passo

do homem que vai para o trabalho,

passeia silencioso entre os casais de namorados e

aperta o coração de quem desvanece os seus males;



Na cidade a agressão se alimenta nos sinais vermelhos,

se camufla nas campanhas de transito,

se entrincheira na frieza das garagens,

e explode na falsa alegria dos shoppings



Na cidade a violência é no Homem,

do Homem,

       pelo Homem,

             para o Homem

Na cidade o ódio se destila disfarçado nos estádios,

se movimenta velozmente nos carros,

se entrincheira nas antipropagandas dos cigarros,

e descansa confusamente nos bares



A cidade cozinha lentamente a sua ira

no interior dos lares;

Se insinua no entremeio das relações,

e se cristaliza nos status e papeis;

Cochila embalada em caixas de papelão,

embaixo das pontes e viadutos,

e boceja preguiçosa sob as marquises



A cidade nem mesmo dorme a dor das suas feridas

e não acorda do seu sonho (talvez) utópico.

Sua esperança cheira cola, borbulha sabão nas sinaleiras,

e se frustra no ventre precocemente estufado das suas meninas.

Seus sonhos são povoados por aflitos apitos e sirenes,

mas ninguém ouve seus socorros e seus surdos ais.

A corrupção embota sua alma e mutila suas intenções.



A cidade é uma teia que aprisiona o espirito do homem
e entorpece a sua dimensão universal.

domingo, 10 de outubro de 2010

Amigos em Barra Grande (Clique na foto)

                                                                                                             









                                                                                                            

















domingo, 3 de outubro de 2010

A Minha Rua

A minha rua tinha paralelepípedos

que se dobravam à luz da lua,

onde escorria o rio e as estórias.

Tinha ruídos como música

e os seus cheiros me enlaçavam,

até onde já não era mais eu ou a cidade.


Naquele tempo, eu ainda não sabia

que o moço encontrava o velho

nas suas esquinas.

Naqueles tempos de outrora!


A minha rua era um rio

a me levar inteiro, vida afora,

por entre meus eus.

E eu me encontrava

por nunca me ter perdido


Tinha palhaço e tinha doida,

a minha rua,

e tinha mais:

tinha toda a verdade do mundo.


Como fugir do amor ingênuo,

do sonho, do medo,

dos mitos e segredos,

que pairava sobre os sobrados

ou circulava nos becos;


Como negar as vergonhas,

como esconder as mentiras

que se acobertavam sob os panos,

e se esgueiravam nas gretas, nos oitões.


Como dizer que ela era minha

e encontra-la repetida em cada canto.

A minha rua me tinha,

e eu pensava que tinha a minha rua.


Na minha rua enfim

ressoava a universal melodia,

que me transbordava o peito e o pensamento

e deixava a maldade

se esvaindo no frescor da noite.