terça-feira, 15 de março de 2011

Meu Livro de Poesias

Meu livro de poesias

Ganhou corajoso, a sala

Onde vadeia a família.

Saiu da estante onde restava

Estanque

Perfilado

Como tantos outros

Esquecido

Sério, impenetrável

Quiçá insosso.

Agora convive distraído

Entre o porta-retratos

E o tabuleiro de xadrez

Na mesa de centro.

Almeja concorrer, destemido

Com a última noticia

Ou com a última novela.

Certamente será lido...

Um dia será lido ...

Curiosa ou distraidamente,

será lido.

Mas,

Deseja mais :

Sonha com as ruas

Na poeira dos carros

No suor dos trabalhadores

Na paz dos bancos dos aposentados

No balançar preguiçoso

Do ultimo vagão

Do trem do subúrbio

Pensa um dia ser banal,

Comum, diário,

Inquestionável como as cédulas;

Impessoal ,

Como os bilhetes do metrô;

Urbano

Como já são os pardais.

Comum, tão comum,

Que seja trocado, doado

Vendido, ou até queimado.

Que seja esquecido e achado

Ou como quer o poeta,

até jogado pela janela.

Que fique pendurado,

Como os cordéis.

Chutado, a guisa de bola.

Colecionado,

Como os maços vazios dos cigarros.

Consultado, como os almanaques.

Escondido, como os “catecismos”.

Que tome sol,

Que tome chuva.

Que nada tome.

Sonha apenas estar presente

No meio de todos

Que todos tenham sobre si

Alguma idéia.

Que todos façam sobre si

Algum juízo.

Ser conhecido,

Ser comentado,

Ser criticado,

Ser elogiado,

Ou execrado, quem sabe ?

Quem sabe,

Algum intelectual

Nele perceba

Algum valor

E o leve

Para as academias

Para as bibliotecas

Para as escolas

Quem sabe, algum livreiro

Nele perceba

Outro valor

E o leve

Para as quermesses

Para as feiras

Para as livrarias

Quem sabe não tenha valor

Mas, não será

Por isso discriminado

Que seja considerado assim

Apenas assim

Como livro

Um objeto nobre

Privilégio de alguns

Pérola, relíquia

Diamante fino

Guardado a sete chaves

Que reste protegido

Como um sortilégio

Num puro relicário

Raro aparador

Nobre prateleira

Estante.

quarta-feira, 2 de março de 2011

O cachorro atropelado

Lá estava ele,

disforme

no meio da pista molhada.

Um monte de pêlos,

carnes e ossos,

indiferente

aos automóveis que passavam,

também aparentemente

indiferentes;



Cadê aquele Lulu,

Totó, Billy, Rex;



Cadê aquela Xuxa,

Shira, Lady, Pituca.



Agora estava ali,

anônimo,

sem medo dos carros,

da carrocinha;

Não tinha nome,

não tinha sexo,

não tinha carinho,

não tinha a alegria

da chegada do dono;



Um pneu passou voando

e lhe tirou do lugar

onde jazia imóvel:

uma pata escanchou para fora

outra para traz

lhe deformando a figura;

Um olho olhava fixo

para a realidade áspera do asfalto,

o outro mirava,

obliquo,

para o nada;

Uma orelha presa por baixo

da cabeça,

soltava a outra por cima,

que parecia atenta;

Agora,

o rabo acenava, mecânico,

movido pelo torvelinho

provocado pelas rodas

que passavam velozmente;

Seu pêlo ainda com vida,

deixava entretanto,

entrever uma mancha rosa

das suas entranhas;

Seu focinho apontava,

acusador,

para a guia da calçada

que lhe negara a vida;



Algumas lembranças,

alguma piedade,

muita revolta,

algumas surpresas,

outras exclamações,

uma ou outra pergunta,

poucos ais,

muitas indiferenças,

passavam céleres,

pelos lados,

por cima,

desviadas,

freadas,

cruzadas,

derrapadas,

sobre o inerte corpo,

que prendera outrora

a alma fiel e delicada

do doce cãozinho;



Ninguém o reclamara,

alguns o lamentaram,

muitos o condenaram,

outros o compreenderam,

então, poucos o assumiram

por dever;



Alguém o substituíra,

pois a vida

passa!