quarta-feira, 2 de março de 2011

O cachorro atropelado

Lá estava ele,

disforme

no meio da pista molhada.

Um monte de pêlos,

carnes e ossos,

indiferente

aos automóveis que passavam,

também aparentemente

indiferentes;



Cadê aquele Lulu,

Totó, Billy, Rex;



Cadê aquela Xuxa,

Shira, Lady, Pituca.



Agora estava ali,

anônimo,

sem medo dos carros,

da carrocinha;

Não tinha nome,

não tinha sexo,

não tinha carinho,

não tinha a alegria

da chegada do dono;



Um pneu passou voando

e lhe tirou do lugar

onde jazia imóvel:

uma pata escanchou para fora

outra para traz

lhe deformando a figura;

Um olho olhava fixo

para a realidade áspera do asfalto,

o outro mirava,

obliquo,

para o nada;

Uma orelha presa por baixo

da cabeça,

soltava a outra por cima,

que parecia atenta;

Agora,

o rabo acenava, mecânico,

movido pelo torvelinho

provocado pelas rodas

que passavam velozmente;

Seu pêlo ainda com vida,

deixava entretanto,

entrever uma mancha rosa

das suas entranhas;

Seu focinho apontava,

acusador,

para a guia da calçada

que lhe negara a vida;



Algumas lembranças,

alguma piedade,

muita revolta,

algumas surpresas,

outras exclamações,

uma ou outra pergunta,

poucos ais,

muitas indiferenças,

passavam céleres,

pelos lados,

por cima,

desviadas,

freadas,

cruzadas,

derrapadas,

sobre o inerte corpo,

que prendera outrora

a alma fiel e delicada

do doce cãozinho;



Ninguém o reclamara,

alguns o lamentaram,

muitos o condenaram,

outros o compreenderam,

então, poucos o assumiram

por dever;



Alguém o substituíra,

pois a vida

passa!

Nenhum comentário:

Postar um comentário