Lá estava ele,
disforme
no meio da pista molhada.
Um monte de pêlos,
carnes e ossos,
indiferente
aos automóveis que passavam,
também aparentemente
indiferentes;
Cadê aquele Lulu,
Totó, Billy, Rex;
Cadê aquela Xuxa,
Shira, Lady, Pituca.
Agora estava ali,
anônimo,
sem medo dos carros,
da carrocinha;
Não tinha nome,
não tinha sexo,
não tinha carinho,
não tinha a alegria
da chegada do dono;
Um pneu passou voando
e lhe tirou do lugar
onde jazia imóvel:
uma pata escanchou para fora
outra para traz
lhe deformando a figura;
Um olho olhava fixo
para a realidade áspera do asfalto,
o outro mirava,
obliquo,
para o nada;
Uma orelha presa por baixo
da cabeça,
soltava a outra por cima,
que parecia atenta;
Agora,
o rabo acenava, mecânico,
movido pelo torvelinho
provocado pelas rodas
que passavam velozmente;
Seu pêlo ainda com vida,
deixava entretanto,
entrever uma mancha rosa
das suas entranhas;
Seu focinho apontava,
acusador,
para a guia da calçada
que lhe negara a vida;
Algumas lembranças,
alguma piedade,
muita revolta,
algumas surpresas,
outras exclamações,
uma ou outra pergunta,
poucos ais,
muitas indiferenças,
passavam céleres,
pelos lados,
por cima,
desviadas,
freadas,
cruzadas,
derrapadas,
sobre o inerte corpo,
que prendera outrora
a alma fiel e delicada
do doce cãozinho;
Ninguém o reclamara,
alguns o lamentaram,
muitos o condenaram,
outros o compreenderam,
então, poucos o assumiram
por dever;
Alguém o substituíra,
pois a vida
passa!
Nenhum comentário:
Postar um comentário