(crepe aberto de mussarela de búfala, tomate seco e rúcula)
É base o trigo
massa de arrimo,
carne universal,
corpo da terra;
da sólida argamassa
me fiz
e todos se fizeram;
ao tornar-se disco,
dele apossou-se o meu espírito
e viajei lonjuras
na sua delicadeza
de sabores indecifráveis,
da finura do seu perfil,
da sensação crocante
nos meus dentes
quando enfim lhe incorporo
alma e matéria
a transformar-se em matéria e alma
e a seguir
a eterna roda do mundo.
Trigo tu és roda
e em volta de ti
se reúnem os homens,
que ao longo dos escuros séculos,
anseiam se encontrar.
Alva mozzarella,
concedida em fartas doses,
como flocos de algodão,
que lembram carneirinhos em pastagens.
E já quase posso senti-los
nas pradarias
a gastar seus pequeninos passos
em todas as direções;
já quase posso percebê-los
como macio afeto
na minha pele,
carente de partos
carente de inícios;
já quase posso gostá-la
como leite
de que és feita
e és fartamente doada.
Queijo regiamente servido
por sobre a pasta,
semeadura generosa
da sua serragem branca
como as nuvens,
que flutuam
nos altiplanos do céu
em que ora habito.
Encarnado moital,
sobre a neve branca.
Dos tomates
a quem se tirou a umidade,
sorve-se o gosto exótico,
reservado,
a quem da boca
fez laboratório,
do paladar santuário
e da elevação do espírito,
a antítese da árdua realidade.
Tempero concreto
espraiado, sem cuidados, sobre o jardim;
o homem desavisado,
perdido sobre o próprio alimento,
aplaude o equilíbrio
que lhe faz o doce e o acre
na sua essência,
enquanto refuta
a própria ambigüidade:
Do seu sangue, tinto,
explodem profanas lembranças
de impuros amores,
de despudorados carmins,
e a rubra borboleta,
liberta dos sentidos,
recupera no céu da boca
sua vocação frutal,
olvidada entre verduras.
Verde-Flor do meu canteiro,
seu sabor de terra
me sabe a mato
e me leva em pensamento
a passadas angústias,
atávicas,
e sou folha
e vivo nela,
nas suas nervuras
e nos seus verdumes;
e nela floresço
no passar dos tempos.
O homem vegetal
retornado a sua natureza,
indígena,
amassando com pés puros
a pureza do verde;
mastigando a própria vida
com o leve amargor
da rúcula.
Riqueza exposta,
sobre a mesa farta dos homens,
dos seus regalos...
dos seus banquetes...
dos seus pecados...
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