domingo, 11 de julho de 2010

Crepe de Rúcula

(crepe aberto de mussarela de búfala, tomate seco e rúcula)



 
É base o trigo

massa de arrimo,

carne universal,

corpo da terra;

da sólida argamassa

me fiz

e todos se fizeram;

ao tornar-se disco,

dele apossou-se o meu espírito

e viajei lonjuras

na sua delicadeza

de sabores indecifráveis,

da finura do seu perfil,

da sensação crocante

nos meus dentes

quando enfim lhe incorporo

alma e matéria

a transformar-se em matéria e alma

e a seguir

a eterna roda do mundo.

Trigo tu és roda

e em volta de ti

se reúnem os homens,

que ao longo dos escuros séculos,

anseiam se encontrar.



 

Alva mozzarella,

concedida em fartas doses,

como flocos de algodão,

que lembram carneirinhos em pastagens.

E já quase posso senti-los

nas pradarias

a gastar seus pequeninos passos

em todas as direções;

já quase posso percebê-los

como macio afeto

na minha pele,

carente de partos

carente de inícios;

já quase posso gostá-la

como leite

de que és feita

e és fartamente doada.

Queijo regiamente servido

por sobre a pasta,

semeadura generosa

da sua serragem branca

como as nuvens,

que flutuam

nos altiplanos do céu

em que ora habito.



 
Encarnado moital,

sobre a neve branca.

Dos tomates

a quem se tirou a umidade,

sorve-se o gosto exótico,

reservado,

a quem da boca

fez laboratório,

do paladar santuário

e da elevação do espírito,

a antítese da árdua realidade.

Tempero concreto

espraiado, sem cuidados, sobre o jardim;

o homem desavisado,

perdido sobre o próprio alimento,

aplaude o equilíbrio

que lhe faz o doce e o acre

na sua essência,

enquanto refuta

a própria ambigüidade:

Do seu sangue, tinto,

explodem profanas lembranças

de impuros amores,

de despudorados carmins,

e a rubra borboleta,

liberta dos sentidos,

recupera no céu da boca

sua vocação frutal,

olvidada entre verduras.



 
Verde-Flor do meu canteiro,

seu sabor de terra

me sabe a mato

e me leva em pensamento

a passadas angústias,

atávicas,

e sou folha

e vivo nela,

nas suas nervuras

e nos seus verdumes;

e nela floresço

no passar dos tempos.

O homem vegetal

retornado a sua natureza,

indígena,

amassando com pés puros

a pureza do verde;

mastigando a própria vida

com o leve amargor

da rúcula.

Riqueza exposta,

sobre a mesa farta dos homens,

dos seus regalos...

dos seus banquetes...

dos seus pecados...





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